Monday, February 12, 2018

Cristovão Tezza haunted by Barthes—or how not to be a philistine asshole even if you are (&/or Verneinung einer leidenschaftlichen Liebe)


"... un dispositif logique dans lequel puisse s'inscrire une 'négation' non pas interne au jugement, mais économiquement productrice de la position signifiante elle-même. Freud en a posé le mouvement translogique et producteur du logique..."
Julia Kristeva, La révolution du langage poétique
"Dire qu'il n'y a que de la dénégation dans le bien-mal-faire de cette malfaçon... ce n'est ni diagnostiquer ni dénigrer, c'est mettre la structure de la dénégation en question et en abîme..."
Jacques Derrida, Artaud le Moma

"... lembro-me sempre de uma frase avulsa de Roland Barthes que li no início dos anos 1970 e que agora reproduzo de memória — para o escritor, escrever é um verbo intransitivo. É uma bela imagem, ainda que eu tenha absorvido a contragosto. Admirava Barthes como quem admira um número de pretidigitação — são apresentações mágicas, bonitas, surpreendentes, às vezes impressionantes, mas todas parecem reduzir-se a um truque. Que seja, um truque poético. Tire-se a luz, o efeito da sombra, o cenário em negro, o arranjo da sintaxe, o sentido oculto na manga, o silêncio preparatório, e o poeta está nu. No fundo de tudo, grassa uma aposta sutil no irracional, num cansaço blasé das formas que, súbito, descobre a autonomia da linguagem..." (p. 27); 
"Há um momento em que, de fato, como queria Roland Barthes, para quem escreve, escrever se torna um verbo intransitivo, ou pelo menos bastante próximo disso. Mas há um longo caminho até esse ponto de não retorno..." (p. 51);
"Eu continuava imitando não propriamente formas (o que não seria tão mau, como exercício de iniciação), mas objetos. Entrando na vida adulta pela via do trabalho, continuava ainda inteiramente preso à minha infância, movendo-me no imaginário da criança. Sim, talvez aqui 'escrever' fosse de fato um verbo intransitivo, como queria Roland Barthes. Esvaziado de sua produção de sentido, o gesto de escrever seria a produção de um artefato — um realismo sem alma, quem sabe..." (p. 67);
"... a linguagem se vinga friamente do que queremos fazer com ela..." (p. 99); 
"... o escritor vai adiante até sentir e criar a sua escrita, o seu idioleto literário, aquele olhar único que enfrenta singularmente uma cena, uma ideia, uma fala, um conjunto de informações ou tudo ao mesmo tempo na passagem do impulso da mão para a realização do texto literário acabado, que se torna imediatamente outra coisa, um duplo estranho... (104); 
"Antes mesmo de escrever a primeira palavra, o bom narrador de herança realista sabe onde 'colocar a câmera', por assim dizer; sabe estabelecer o olhar que redesenha o mundo para partilhar uma experiência necessariamente ambígua no quadro de uma hipótese literária..." (118); 
"Como num palimpsesto fantasma, as frases parecem agora revelar atrás daquela risada solta um pequeno e insidioso candidato a Dorian Gray. Escritores não são boas pessoas..." (p. 129); 
"Em outras palavras, Borges era a 'decadência', o que eu tentava dizer nos seus próprios termos, assimilando mimeticamente (e bisonhamente) aquela nuvem... havia lá no fundo, respirante, uma 'mensagem' que, de fato, não era minha... Ou era" (p. 143); 
"... a diferença de maturidade técnica entre Gran Crico e Juliano Pavollini é evidente, mas muito mais importante é a existencial, a complexidade de um narrador, ou de uma voz narrativa, que já não escreve em causa própria, ou a serviço de uma pequena tese em que o autor se refugia, e que consegue, de fato, se afastar de si mesma..." (p. 179);
"Imagino que todos os escritores (todas as pessoas) conservam pequenas manias formais, às vezes francamente irracionais, que tocaram na alma em algum momento e lá restaram para sempre..." (p. 184);
"... sinto que a própria linguagem frequentemente encontra soluções como se a mão escrevesse sozinha, um mistério que me parece impossível para quem está começando..." (p. 185);
"... um barco em que, por instinto, jamais entrei, exceto talvez no romance A suavidade do vento..." (206);
"Acho que a criação literária, para se justificar como tal, tem de manter tão radicalmente quanto possível, por escolha, a sua inadequação primeira..." (p. 212);
"... a linguagem, ao contrário do que pensamos em solidão, não tem nenhuma transparência ou clareza intrínsecas — cada palavra que se estabelece entre mim e o mundo, entre mim e os outros, já nasce sobrecarregada de sentidos secretos, duplicidades estranhas, opacidades vazias, intenções estrangeiras..." (p. 214);
"... se a literatura quiser sobreviver como linguagem não oficial, ela terá a necessidade absoluta, intransferível, de significar sempre a criação de um narrado responsável... Relembremos, entretanto, o detalhe importante de que o ato de escrever cria um narrador, com quem eu não posso me confundir... Podemos dizer que a criação de um narrador, ato que é a alma da literatura, é sempre um gesto ético de abandono e generosidade..." (p. 217);
"Permanece sempre entre a voz do narrador e os olhos do leitor a matéria bruta realidade, que jamais falará por si só, mas cuja força... todo narrador cria hipóteses de sobrevivência e de não sobrevivência... Fosse eu um Santo Agostinho, diria agora que, depois de uma vida de dores, percalços, cegueira e pecado, como num clássico (e tranquilo) romance de formação, encontrei a redenção... Mas desgraçadamente não tenho o dom da fé..." (p. 219-21);
Cristovão Tezza, O espírito da prosa: uma autobiografia literária. Rio de Janeiro: Record, 2012.

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1 comment:

  1. Anonymous8:13 AM

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